Prefácio
"As verdades contidas nas doutrinas religiosas são, afinal de contas, tão deformadas e sistematicamente disfarçadas", escreve Sigmundo Freud, "que a massa da humanidade não pode identificá-las como verdade. O caso é semelhante ao que acontece quando contamos a uma criança que os recém-nascidos são trazidos por uma cegonha. Neste caso, também estamos dizendo a verdade através de uma expressão simbólica, pois sabemos o que essa grande ave significa. Mas a criança não sabe. Escuta apenas a parte deformada do que dizemos e sente que foi enganada: e sabemos com que freqüência sua desconfiança em relação aos adultos e sua rebeldia têm realmente começo nessa impressão. Convencemo-nos de que é melhor evitar esses disfarces simbólicos da verdade naquilo que contamos às crianças, e não para privá-las de um conhecimento do verdadeiro estado de coisas adequado a seu nível intelectual". (Sigmund Freud, The Future of An Ilusion - tradução de James Strachey & outros), Standard Edition XXI, 1961, pp 44-45 (Original 1927).
O propósito deste livro é desvelar algumas verdades que nos são apresentadas sob o disfarce das figuras religiosas e mitológicas, mediante a reunião de uma multiplicidade de exemplos não muito difíceis, permitindo que o sentido antigo se torne patente por si mesmo. Os velhos mestres sabiam do que falvam. Uma vez que tenhamos reaprendido sua linguagem simbólica, basta apenas o talento de um organizador de antologias para permitir que o seu ensinamento seja ouvido. Mas é preciso, antes de tudo, aprender a gramática dos símbolos e, como chaves para esse mistério, não conheço um instrumento moderno que supere a psicanálise. Sem permitir-lhe ocupar a posição de última palavra a respeito do assunto, podemos não obstante, facultar-lhe a posição de abordagem possível. O segundo passo será, portanto, reunir uma ampla gama de mitos e contos folclóricos de todos os cantos do mundo, deixando que os símbolos falem por si mesmos. Os paralelos serão percebidos de imediato e desenvolverão uma ampla e impressionantemente constante afirmação das verdades básicas que têm servido de paraâmetros para o homem, ao longo dos milênios de sua vida no planeta.
Talvez se faça a objeção de que, ao revelar as correspondências, deixei de considerar as diferenças existentes entre as várias tradições orientais e ocidentais, modernas, antigas e primitivas. A mesma objeção poderia ser aplicada, contudo, a todo texto didático ou quadro de anatomia, nos quais as variações fisiológicas decorrentes da raça não são levadas em conta as inúmeras religiões e mitologias da humanidade, mas este livro trata das semelhanças; uma do que se supõe popularmente (bem como politicamente). A esperança que acalento é a de que um esclarecimento realizado em termos de comparação possa contribuir para a causa, talvez não tão perdida, das forças que atuam, no mundo de hoje, em favor da unificação, não em nome de algum império político ou eclesiástico, mas com o objetivo de promover a mútua compreensão entre seres humanos. Como nos diziam os Vedas: "A veradade é uma só, mas os sábios falam dela sob muitos nomes".
(...) Nova York, 10 de Junho de 1948.
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